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Os 80 anos de Maigret, o personagem de Simenon que mudou o gênero policial

09/03/2011

- Por L&PM Editores

Jules Maigret acaba de completar 80 anos. Mas não há dúvidas de que continua na ativa. O personagem criado por Georges Simenon, e lançado oficialmente em livro no final de fevereiro de 1931, segue encantando os leitores com suas virtudes e fraquezas. Maigret parece ser o mais humano dos "investigadores". Poderia ser qualquer um de nós. Tornou-se grande e imortal graças ao talento de Simenon.

Para saber mais, leia matéria escrita por Marco Rodrigo Almeida sobre os 80 anos de Maigret, publicada na Folha de S. Paulo do dia 05 de março, e reproduzida hoje (09 de março) no Segundo Caderno do Jornal Zero Hora:

 

O DETETIVE COMPASSIVO

Iniciada há 80 anos, série de Georges Simenon com o comissário Jules Maigret mudou o gênero policial

MARCO RODRIGO ALMEIDA

Antes da criação do comissário Jules Maigret, o homem comum tinha um destino certo nos romances policiais: ser a vítima. No melhor dos casos, o amigo pouco inteligente do detetive. Jamais seria o herói da trama. Coube ao escritor belga Georges Simenon (1903 – 1989) quebrar essa tradição, em fins de fevereiro de 1931, com Maigret e o Finado Sr. Gallet, romance que lançou oficialmente a série Maigret.

A edição brasileira mais recente do livro, publicada pela L&PM em 2010, tem apenas 174 páginas. Foi o suficiente para criar um marco no gênero. O francês Jules Maigret, corpulento, fumante de cachimbo, calado, de ar geralmente enfastiado, é um personagem raro nas histórias policiais.

Maigret não é um detetive particular nem um amador curioso. Funcionário da Polícia Judiciária francesa, parece mais um típico funcionário de uma repartição pública. Também não é um “gênio’’, capaz de deduções mirabolantes e inesperadas, tal como Sherlock Holmes e Hercule Poirot, criações de Conan Doyle e Agatha Christie, respectivamente. “Não sei absolutamente nada’’, diz com frequência. Tampouco faz o estilo “tira durão’’ e violento que os americanos (Raymond Chandler, Dashiell Hammett) souberam criar tão bem. E, heresia das heresias, no fim de um dia de trabalho ele quer mesmo é voltar para casa e comer a boa comida preparada pela esposa, a senhora Maigret.

Comparado aos ilustres detetives que o antecederam, Maigret pode parecer um tanto banal. O talento de Simenon foi fazer dessa deficiência um encanto.

– Maigret não fala muito, ouve as pessoas, é um detetive psicológico. Muitas vezes sente pena dos culpados e seu lema é “compreender e não julgar” – disse Pierre Assouline, biógrafo de Simenon.

Com esse olhar compreensivo, que nada parece espantar, Maigret esclarece os mais escabrosos casos, ainda que nem sempre o resultado seja satisfatório.

Nos 75 romances e vários contos que protagonizou, Maigret depara com a questão: descobrir a verdade nem sempre equivale a solucionar o caso. É claro que, acima de tudo, o que fez a fama da série foi o talento literário de Simenon. Surpreende que tenha conseguido conciliar qualidade e rapidez ao longo de toda a carreira.

Além da saga Maigret, publicou mais outros 117 romances e 21 volumes de memórias, além de contos. “Como pode ser tão rápido e tão bom?’’, espantavam-se seus fãs. Entre eles, artistas do quilate do cineasta Jean Renoir e dos escritores André Gide e T.S. Eliot.

Maigret só não conseguiu convencer a si próprio. Se na juventude imaginava ganhar o Nobel quando completasse 45 anos, na velhice dizia-se “envergonhado’’ de tudo o que escrevera. Reação parecida à de Chandler, Hammet e de outros mestres do romance policial, que no fim da vida diziam-se arrependidos de praticar o gênero.

Essa tradição Simenon não conseguiu quebrar.

 

Zero Hora traz ainda um texto do jornalista Carlos André Moreira:

LONGE DO POLICIAL, AUTOR RETRATOU A VIDA BURGUESA

CARLOS ANDRÉ MOREIRA

Maigret é a criação mais conhecida de um escritor inacreditavelmente prolífero, mas a certa altura de sua carreira Georges Simenon alçou-se a obras em que o crime, embora presente, não estava lá para ser desvendado. Com seus romances não policiais, o escritor se dedicou com brilho a um dos principais objetivos literários da grande literatura francesa: o retrato das forças morais e psicológicas que se debatem, surdas, no subterrâneo da pacata vida doméstica de província.

Em O Homem que Via o Trem Passar, um burguês incolor sufocado pela vida rotineira certo dia se entrega à compulsão selvagem de matar, buscando na exacerbação da violência o sentido da vida apagada que vivera até então. Em Sangue na Neve, o escritor vai mais longe e narra a história mergulhando no ponto de vista de um jovem criminoso. O Gato começa quase burlesco, com a história de um casal que, brigado, há anos comunica-se apenas por bilhetes. A escalada da animosidade entre ambos se eleva a tons gradualmente mais sombrios.

A responsabilidade do indivíduo para com os outros também era um tema recorrente em Simenon, como no estudo sobre a autoridade O Burgomestre de Furnes ou no drama – outra vez – conjugal Sinal Vermelho. Simenon só podia mesmo despertar perplexidade. Para quem produziu tanto, é surpreendente o número de pontos altos.

 

No Brasil, as histórias de Maigret são publicadas pela L&PM na Série Simenon, o mais recente lançamento é Maigret na escola. Em 2011, outros títulos inéditos chegarão à Coleção L&PM POCKET.