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Max Gallo, autor de Revolução Francesa, concede entrevista exclusiva à L&PM

22/01/2010

- Por L&PM Editores

Membro da Academia Francesa, Max Gallo publicou mais de 80 livros percorrendo com igual desenvoltura gêneros como romance, ensaio, história, biografia e política. Faz uma distinção muito clara entre o romance ficcional e a história romanceada: “costumo chamar meus romances de ‘romances-história”, explica. 

Nas livrarias brasileiras podem ser encontrados Revolução Francesa (dois volumes.), as biografias de Napoleão (dois volumes), Victor Hugo (dois volumes) e César, e as séries Os cristãos (história-romanceada em 3 volumes) e Os Patriotas (ficção em quatro volumes).

O processo de criação e seu mais recente trabalho, Revolução Francesa, volumes 1 e 2, são alguns dos temas dessa entrevista exclusiva concedida à L&PM Editores.

L&PM Editores: Por que seus dois volumes sobre a Revolução Francesa são best-sellers na França, onde dezenas de livros sobre o assunto são publicados todos os anos?

Max Gallo: O sucesso de um livro depende de vários fatores. A Revolução é um dos grandes temas da história nacional francesa, portanto sempre existe um interesse pelo assunto. Ela é o cadinho para onde escorre o Antigo Regime e onde o futuro da nação é decidido.

O sucesso do livro se deve a duas coisas importantes:

Em primeiro lugar, tentei evitar toda e qualquer interpretação da Revolução Francesa. Tentei me afastar das ideias feitas, das teorias ensinadas na escola, sobretudo a teoria marxista.

Coloquei-me na pele de cidadãos comuns (um livreiro, por exemplo) ou menos comuns (o rei, por exemplo), que descobrem e vivem os acontecimentos. Adotei o ponto de vista deles. Como fiz isso? Consultei jornais, testemunhos de época, e situei esse todo no desenrolar cronológico dos acontecimentos.

O segundo motivo é que o livro foi publicado no início de 2009. Naquele momento, havia uma grande convergência de pontos de vista na França, dizendo que iniciávamos um período de grandes perturbações no plano social, devido à crise. Um livro com o título “A insurreição que está chegando” chegou a ser publicado, por exemplo. Muito se temeu e esperou, se não um período revolucionário, pelo menos um de perturbações. Em semelhante contexto, o tema da Revolução Francesa é particularmente eloquente.

L&PM: O senhor faz um retrato generoso de Luís XVI: um rei vacilante, mas nem um pouco o déspota de alguns livros sobre a Revolução. Em sua opinião, a Revolução poderia ter sido feita sem a morte de Luís XVI, ou sem “separar o corpo do rei do corpo da nação”?

MG: Sendo historiador de formação, não gosto da ideia e não sou capaz de inventar uma história que não aconteceu. Luís XVI foi decapitado, sua cabeça foi cortada e com isso o corpo do rei foi separado do corpo da nação.

Em 1789, quando houve a reunião dos Estados Gerais, nenhum homem na França pensou que o rei seria decapitado, ou pensou na República.

A seguir, as iniciativas de uns e os erros de outros levaram à morte do rei.

Quanto ao retrato que pintei do rei, raras vezes Luís XVI foi apresentado como déspota. Muitas vezes o foi como um imbecil. Em seu caderno de caça, no dia da tomada da Bastilha, vemos que para ele nada aconteceu. Na verdade, ele foi um homem inteligente, sem a menor intenção de ser um tirano, que tentou conciliar seu interesse dinástico com as paixões francesas.

Ele foi um homem dilacerado. Por um lado, por suas convicções monárquicas: sua coroação em Reims o domina, ele fica impregnado pela ideia de ter direitos superiores aos demais, bem como deveres superiores. Por outro lado, por acontecimentos que não consegue dominar. Pois aceitar não ser o rei da França, mas rei dos franceses, é abandonar o que lhe fora atribuído por direito divino na sagração de Reims. Ele não estava preparado para governar, é verdade: tem vinte anos quando chega ao poder. Mas nunca foi ou desejou ser um déspota.

        

L&PM: Sua produção bibliográfica contém inúmeras biografias de personalidades, como De Gaulle e Victor Hugo. Sua biografia de Napoleão, por exemplo, possibilita uma grande intimidade do leitor com o biografado, pois o senhor imagina as reflexões e pensamentos dele. Como pode ser descrito o seu processo de criação? Esses pensamentos e reflexões dos personagens são sempre baseados em documentos?

MG: De fato, por muito tempo fui professor universitário. Tenho um superego que não me permite inventar declarações, citações, não “faço filhos à história”, como dizia Alexandre Dumas, de quem, aliás, gosto muito.

Atenho-me em preservar a realidade histórica e consultar os documentos. Mas minha liberdade vem do enredo: coloco em cena as frases, os discursos. Utilizo as memórias de alguns, as confidências de outros. Há abundância de documentos íntimos, em todas as épocas históricas. Temos as várias cartas de Napoleão para Joséphine de Beauharnais, os numerosíssimos discursos e cartas de De Gaulle, os cadernos de Victor Hugo etc. que nos permitem entrar no cotidiano dessas personalidades.

Sobre o processo de escrita:

Primeiro me deixo levar pelo sonho de escrever sobre este ou aquele personagem, por vários anos. No início, não sei se conseguirei considerar com paixão o personagem.

Há alguns anos, por exemplo, meu editor, Bernard Fixot, me pediu para escrever sobre Luís XVI. Então li tudo o que o próprio rei escreveu, criei uma imagem dele em minha mente e me deixei habitar pelo personagem. Nunca começo pelas coisas que os historiadores escreveram sobre o sujeito. Tento com isso não ser influenciado, só os consulto por último.

Depois inicia o trabalho da escrita: nunca abandono o tema de meu livro. Sou como uma câmera com duas objetivas: olho para o mundo com os olhos de meu personagem, e tenho outro olhar que se dirige para dentro do personagem e que tenta descobrir as razões de suas ações.

L&PM: Publicamos no Brasil a biografia de Luís XVI escrita por Bernard Vincent (publicada na França pela Gallimard, na coleção Folio Biographies). Parece-nos haver na França, neste momento, uma espécie de revisão positiva, no mínimo clemente, da figura de Luís XVI. O senhor concorda com esta impressão? Por que isso acontece no momento histórico atual?

MG: Sim, mas como afirmei acima, Luís XVI nunca foi considerado um déspota, no máximo foi considerado um imbecil, alguém que gostava de trabalhos manuais. Uma visão mais positiva do personagem existe há muito tempo. Jean Jaurès, líder socialista, escreveu uma história socialista da França. Um editor extraiu dela tudo o que dizia respeito a Luís XVI e eu prefaciei este volume. Fiquei surpreso de ver que Jaurès, ao falar do julgamento de Luís XVI pela Convenção em 1792, é bastante moderado e compreensivo. A personalidade do rei lhe aparece como de fato era: uma vítima do mecanismo histórico, de suas próprias convicções e de sua fidelidade ao estatuto do direito divino.

L&PM:  Por que o senhor escolheu o caminho da narrativa histórica?

MG: Escrevi uma tese, muitos artigos etc., mas o que gosto de fazer, no fundo, é contar a História como um romance. Gosto de chamar os romances que escrevo de “romances-história”. Não pretendo escrever uma obra que revolucione o conhecimento histórico. “O bom historiador se parece com o ogro da lenda. Ali onde ele sente o cheiro de carne humana, sabe que está sua presa”, dizia o historiador Marc Bloch. Eu gosto de carne viva, gosto de colocá-la em movimento, de fazê-la viver.

L&PM: Em sua opinião, a Revolução Francesa foi mais importante para a França ou para o mundo?

MG: É evidente que ela tem uma importância crucial para a França. Mas ela está inscrita num movimento revolucionário que inicia além das fronteiras da França, em 1782 com uma revolução de Genebra, depois com a revolução americana. No entanto, mais do que essas revoluções que alguns historiadores chamaram de “revoluções atlânticas”, a Revolução Francesa marcou o mundo por estabelecer princípios universais: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.

Os princípios de igualdade, de liberdade, podem ser ouvidos na América Latina, podem ser ouvidos nos antigos países do império austro-húngaro. Houve revoluções onde se cantou a Marselhesa. Na Rússia, a partir de 1825 aconteceram complôs de jovens oficiais, que tinham ido para Paris em 1815 e voltaram marcados para sempre etc.

Tradução: Julia da Rosa Simões