Um estudo monumental, por um dos maiores intelectuais do século XX
“O homem nunca é um indivíduo; seria melhor chamá-lo universal singular”, diz Sartre no prefácio desta obra. Porque o homem é um ser situado, universalizado por sua época, mas que nela se reproduz como individualidade. É preciso estudá-lo por essas duas facetas, pois é sempre redutora a opção por um ponto de vista único: a simples universalização faria dele nada mais que a soma de generalidades abstratas, enquanto a singularização restringiria sua vida a uma sequência de episódios particulares.
É preciso ir de um ponto de vista ao outro, incessantemente. É preciso saber tudo o que é possível saber. Trata-se de um procedimento dialético que Sartre emprega com maestria em
O idiota da família, oferecido agora ao público brasileiro pela L&PM Editores, que mais uma vez preenche uma grande lacuna.
Seduzido pela obra de Flaubert (que ele considerava o seu oposto), Sartre faz dele o alvo e o pretexto de um estudo monumental. Suas fontes são abundantes (mais de uma dezena de volumes de cartas, testemunhos incontáveis dos irmãos Goncourt, de George Sand e as próprias obras de juventude de Flaubert), às quais se soma uma verveexuberante, grande fluência de escrita e uma paixão inesgotável, que lhe consumiu quinze anos de trabalho.
Mas por onde começar? Para Sartre, essa preocupação é desnecessária: “podemos entrar em um morto da maneira que quisermos. O essencial é partir de um problema. (...) Flaubert nos remete à sua proto-história. O que se precisa tentar conhecer é a origem dessa chaga ‘sempre escondida’ e que, de todo modo, tem origem em sua primeira infância. Este não será, acredito, um mau começo”. Partindo dessa reflexão, o primeiro volume trata da constituição de Flaubert a partir de seu meio familiar. Mãe fria e pai autoritário são os ingredientes determinantes da passividade pessimista do adolescente, para quem a realidade é essencialmente má.
No segundo volume, a neurose de Flaubert ganha contornos mais nítidos. Ocorre a personalização, que é a vivência concreta do condicionamento infantil, com a resultante “opção pelo irreal”. No terceiro volume apresenta-se a hipótese de que a neurose subjetiva de Flaubert seria a particularização de uma neurose coletiva, compartilhada pela elite culta da burguesia do Segundo Império francês.
O resultado é um estudo originalíssimo. Surgindo num momento em que reinavam debates teóricos de extrema abstração,
O idiota da família surtiu efeito devastador, com sua ambição desmedida e ao mesmo tempo artesanal de pôr à prova todos os conhecimentos disponíveis no estudo de um caso concreto e de fundar uma antropologia dialética e totalizadora, em que se mesclam existencialismo, marxismo e psicanálise. É uma obra solitária, ápice e conclusão de uma vida. Interrompido abruptamente pela cegueira de seu autor,
O idiota da família é um marco, por ter unido magistralmente literatura e filosofia sob a pena de um dos maiores intelectuais do século XX.
Opinião do Leitor
Hênio Santos de Almeida
Vila Velha/ES
Gostaria de parabenizar a L&PM que, por meio da boa tradução de Júlia de Rosa Simões, torna agora a última e mais extensa obra de J.-P. Sartre acessível aos leitores de língua portuguesa. Uma obra monumental que é extremamente relevante para a compreensão do método sartreano..
13/03/2014
Agatha
Wanderley Wasconcelos
Barra do Garças Mato Grosso
Pensava que nenhuma editora teria coragem de editar, mesmo que tardiamente, O Idiota da Família, de Sartre.Já encomendei este primeiro exemplar ao meu livreiro. Espero que não demore tanto chegar as minhas mãos.
03/02/2014