Coleção L&PM E-books


AS PALAVRAS ANDANTES - Eduardo Galeano

AS PALAVRAS ANDANTES

Eduardo Galeano

Tradução de Eric Nepomuceno

"Janela sobre este livro

Uma mesa remendada, velhas letrinhas móveis de chumbo ou madeira, uma prensa que talvez Gutenberg tenha usado: a oficina de José Francisco Borges na cidadezinha de Bezerros, no interior do nordeste do Brasil.

O ar cheira a tinta, cheira a madeira. As pranchas de madeira, em pilhas altas, esperam que Borges as talhe, enquanto as gravuras frescas, recém-impressas, secam dependuradas no arame de um varal. Com sua cara talhada em madeira, Borges me olha sem dizer nada.

Em plena era da televisão, Borges continua sendo um artista da antiga tradição do cordel. Em minúsculos folhetos, conta causos e lendas: ele escreve os versos, talha as pranchas, imprime as gravuras, carrega os folhetos nos ombros e os oferece nas feiras, de povoado em povoado, cantando em ladainhas as façanhas das pessoas e dos fantasmas.

Eu vim à sua oficina para convidá-lo a trabalhar comigo. Explico meu projeto: imagens dele, suas artes da gravura, e palavras minhas. Ele se cala. Eu falo e falo, explicando. Ele, nada.

E assim continuamos, até que de repente percebo: minhas palavras não têm música. Estou soprando em flauta rachada. O não-nascido não se explica, não se entende: se sente, se apalpa quando se move. E então deixo de explicar; e conto.

Conto para ele as histórias de espantos e encantos que quero escrever, vozes que recolhi nos caminhos e sonhos meus, de tanto andar acordado, realidades deliradas, delírios realizados, palavras andantes que encontrei – ou fui por elas encontrado.

Conto a ele os contos; e este livro nasce."

Introdução de Eduardo Galeano a Palavras andantes.

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Informações Gerais

  • Título:

    AS PALAVRAS ANDANTES

  • Catálogo:
    Coleção L&PM E-books
  • Gênero:
    Literatura moderna internacional
    Literatura moderna internacional
  • Série:
    Galeano
  • eISBN:
    978.85.254.3574-3
  • Formato:
    ePub

Vida & Obra

Eduardo Galeano

Eduardo Galeano (1940-2015) nasceu em Montevidéu, no Uruguai. Viveu exilado na Argentina e na Catalunha, na Espanha, desde 1973. No início de 1985, com o fim da ditadura, voltou a Montevidéu. Galeano comete, sem remorsos, a violação de fronteiras que separam os gêneros literários. Ao longo de uma obra na qual confluem narração e ensaio, poesia e crônica, seus livros recolhem as vozes da alma e da rua e oferecem uma síntese da realidade e sua memória. Recebeu o prêmio José María Arguedas, outo...

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"Janela sobre este livro

Uma mesa remendada, velhas letrinhas móveis de chumbo ou madeira, uma prensa que talvez Gutenberg tenha usado: a oficina de José Francisco Borges na cidadezinha de Bezerros, no interior do nordeste do Brasil.

O ar cheira a tinta, cheira a madeira. As pranchas de madeira, em pilhas altas, esperam que Borges as talhe, enquanto as gravuras frescas, recém-impressas, secam dependuradas no arame de um varal. Com sua cara talhada em madeira, Borges me olha sem dizer nada.

Em plena era da televisão, Borges continua sendo um artista da antiga tradição do cordel. Em minúsculos folhetos, conta causos e lendas: ele escreve os versos, talha as pranchas, imprime as gravuras, carrega os folhetos nos ombros e os oferece nas feiras, de povoado em povoado, cantando em ladainhas as façanhas das pessoas e dos fantasmas.

Eu vim à sua oficina para convidá-lo a trabalhar comigo. Explico meu projeto: imagens dele, suas artes da gravura, e palavras minhas. Ele se cala. Eu falo e falo, explicando. Ele, nada.

E assim continuamos, até que de repente percebo: minhas palavras não têm música. Estou soprando em flauta rachada. O não-nascido não se explica, não se entende: se sente, se apalpa quando se move. E então deixo de explicar; e conto.

Conto para ele as histórias de espantos e encantos que quero escrever, vozes que recolhi nos caminhos e sonhos meus, de tanto andar acordado, realidades deliradas, delírios realizados, palavras andantes que encontrei – ou fui por elas encontrado.

Conto a ele os contos; e este livro nasce."

Introdução de Eduardo Galeano a Palavras andantes.

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