A PROSA BEM TEMPERADA
A vantagem de Sílvio Lancellotti é que ele é, antes de tudo, um jornalista que cozinha. Basta folhear estas paginas de texto saboroso sobre receitas saborosas para constatar que não estamos diante de um assustado cozinheiro arrancado da segurança de suas panelas e lançado ao suplício de imprimir em letra de forma sabores, texturas, e perfumes insondáveis. O domínio do texto é essencial. Não são poucos os cozinheiros talentosos que acabaram por cometer livros de receitas insossos, reduzindo suas belas elaborações a fórmulas vazias, como se a cozinha fosse apenas uma combinação mecânica de ingredientes. Com Sílvio Lancellotti, o texto do livro de receitas tem a exuberância e o sabor de seus triunfos culinários. Abrir uma das páginas deste livro é como abrir uma de suas caçarolas. Desprendem-se perfumes inesperados, cores, sugestões e todas as sensações que um prato oferece. Isto é: o escritor é tão bom quanto o cozinheiro.
Seria um exercício cansativo e inútil tentar decifrar quem vem antes: o jornalista ou o cozinheiro? A curiosidade e a articulação do jornalista, por certo, a toda hora tem socorrido o cozinheiro minucioso. Mas o que seria do cronista gastronômico se não fosse o metier do cozinheiro profissional, herdeiro de velhos cadernos amarelados de receitas ancestrais da velha "Bota"? Creio que, para quem se prepara para abrir o livro e penetrar neste mundo delicioso das cozinhas da Itália, o que importa é saber que enfrentará a prosa bem temperada de um jornalista arguto, que descreve, por exemplo, o ato aparentemente prosaico de escorrer um macarrão com a emoção de uma boa reportagem, onde surpreende segredos inesperados como o truque de adicionar um pouco de parmesão ainda no escorredor.
Além disso, a conversa sobre os molhos e as massas, aqui, ultrapassa as paredes da cozinha e percorre a geografia, a história, a psicologia, a sociologia, não dispensando as tentações universais de um bom jornalista, como fofocas da Corte, bastidores pouco conhecidos e denúncias de velhos enganos. Uma delas é surpreendente: Marco Polo, segundo Sílvio Lancellotti, não foi o introdutor do macarrão (que teria sido, segundo a "história oficial", trazido por ele, da China para a Itália). Para "desmascarar" o velho viajante, o nosso repórter-cozinheiro traz dados históricos poderosos.
Para gostar deste livro não é preciso gostar de cozinhar. Basta gostar de ler e de comer. Sílvio Lancellotti escreve como cozinha, e faz as duas coisas da mesma forma que fala: encantando seus convidados. Percorrer as páginas deste livro é mais do que leitura. É uma degustação.
J.A. Pinheiro Machado
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