Millôr resgata o prazer de ler Shakespeare
Que Millôr Fernandes era um grande gozador ninguém duvida. É o que confirma uma das entradas de Millôr definitivo – a bíblia do caos:
GOZAÇÃO
Posso estar enganado, mas acho que quem me telefonou noutro dia, às 3 horas da manhã, era um safado querendo me humilhar. Perguntou ele: “Por favor, aí é da casa do jornalista, desenhista, tradutor e teatrólogo Millôr Fernandes?”. “É”, disse eu, encabulado, sem saber bem o que responder. “Desculpe”, disse a voz do outro lado; “é engano”.
Assim como caçoava de si mesmo – embora tenha sido um dos maiores intelectuais que o país já teve –, Millôr não poupava ninguém, nem os eruditos (ou principalmente estes), tais como os especialistas em Shakespeare. Mas, diferentemente deles, Millôr, que desde cedo entendera a dificuldade do ofício de tradutor, acreditava que uma tradução deveria ser não apenas lida, mas compreendida pelo leitor. Ao mesmo tempo em que é preciso ter o mais absoluto respeito pelo original, é preciso também ter o atrevimento de desrespeitá-lo, traí-lo para, assim, lhe ser mais fiel.
Quando topou a empreitada de traduzir Shakespeare – um de seus reverenciados mestres –, Millôr não mediu esforços para adaptar as peças do escritor inglês, do período elisabetano, de forma a proporcionar ao leitor brasileiro contemporâneo uma leitura única. Esta edição apresenta quatro dos maiores clássicos de William Shakespeare – A megera domada, As alegres matronas de Windsor, Hamlet e O Rei Lear, duas comédias e duas tragédias respectivamente – na célebre e cuidadosa tradução de Millôr Fernandes, que afirmava, com a perspicácia característica: “Sheikispir, sim, é que era bão: / só escrivia citação!”.
William Shakespeare (1564-1616), filho de um rico comerciante, nasceu e morreu em Stratford- -upon-Avon, na Inglaterra. Considerado um dos escritores mais importantes de todos os tempos, alcançou o sucesso nos campos da dramaturgia e da poesia ainda em vida. Acredita-se que por volta de 1585 iniciou uma bem-sucedida carreira de ator em Londres e que a maior parte da sua obra foi escrita entre 1590 e 1613, quando, já famoso, retirou-se aos 49 anos para uma luxuosa propriedade em sua cidade natal. Deixou como legado 38 peças de teatro, entre as quais clássicos como Hamlet, O Rei Lear, Macbeth, Otelo, A tempestade, Júlio César e Romeu e Julieta, além de uma obra poética, na qual destacam-se os sonetos.
Millôr Fernandes (1924-2012) publicou nos principais veículos de comunicação do país, como O Cruzeiro, O Pasquim e Veja. É autor de dezenas de livros, tais como Que país é este? e Millôr definitivo – a bíblia do caos. Sua obra teatral é vasta e reúne mais de cem peças, incluindo textos originais (O homem do princípio ao fim, Liberdade, liberdade) e traduções (Shakespeare, Molière, Tchékhov e outros).
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