Certos romances contemporâneos insistem em não contar uma história, ou em contar a sua própria história, como se a literatura fosse o último refúgio dela mesma, num mundo que não pode mais ser representado, porque perdeu a sua substância. Não é o caso desta aventura de Sérgio Capparelli pela selva das palavras. Aqui todas elas são conhecidas, nenhuma investe como fera sobre o leitor distraído. E fazem questão de deixar transparecer um certo tipo de mundo, que o leitor igualmente não desconhece: é esse nosso mundo, lugar onde as pessoas cometem atos injustos, estabelecem laços pecaminosos, espalham escândalos e maledicências, mas também são capazes de gestos de humanidade e coragem moral, de atitudes pautadas antes pelo coração e pela fantasia do que pela máquina de calcular.
Capparelli se isola do romance autofágico para reinstalar, nas prateleiras, o texto comunicativo, de linguagem direta e despachada nos momentos de ação, mas impregnada de lirismo nos momentos de introspeção. Reabre um outro jogo já meio esquecido na ficção brasileira: o do entendimento instantâneo entre obra e público, unidos pelo fio perdido de uma história que empolga pelo que narra e não apenas pelo modo como narra. É assim que a reportagem investigativa de um jornalista já malvisto na redação por suas inconveniências políticas, pontuada pelas culpas de infância desse repórter, relembradas ante a cidadezinha serrana onde nasceu e para onde é forçado a voltar, ocupam de assalto a atenção do leitor, curioso por saber o que é a Casa de Afrodite e que relação ela teria com a suspeita da imprensa de que Mussolini não morreu e foi visto na serra gaúcha.
Obra de um perito em comunicação, este romance convoca um mundo nada comum, em que a última Grande Guerra, a imprensa, os políticos, as cortesãs, os costumes da cidade e da serra se misturam com tamanha naturalidade que o leitor pode nem perceber o que nele há de arte maior - a perfeita e tocante evocação dos traumas e pesadelos da infância, trançados com habilidade de tapeceiro persa à vida adulta do herói. É puxar esse fio e toda a destreza do tramado se revela. É também seguindo-o que se chega à Casa de Afrodite e seu segredo.
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