COM A CABEÇA NA LUA
ou a incrível história de um nariz perturbador*
Quando conheci o Glauco fiquei duplamente feliz. Primeiro porque ele trouxe um certo alívio ao humor brasileiro e segundo porque, enfim, havia encontrado um nariz maior que o meu. Aliás, muito maior. Tanto que ao desenhar sempre borra de nanquim a ponta do dito cujo.
Mas deixando o nariz de lado – o que é difícil devido ao seu tamanho – Glauco chegou arrasando. Os carrascos habitavam com desenvoltura o humor brasileiro. Nós, cartunistas, com raras exceções, tratávamos essas repelentes figuras como um monstro invencível. Efeitos de uma época. Mas Glauco apareceu com um cartum onde o torturado, pendurado pelas mãos por fortes correntes, estica a perna para alcançar o traseiro do sisudo carrasco e, com cara de safado, diz: “Bundão, hein!?”. Quebrou tudo! Foi-se pras picas toda aquela oposição respeitosa que fazíamos nos últimos anos do governo Geisel.
Não sei se é pelo comprimento de seu nariz, mas Glauco está sempre na frente. Seus bonequinhos saltitantes, neuróticos, cheios de membros (braços e pernas, não me entendam mal!), têm todos a mesma cara. Sim! É verdade. Nos cartuns do Glauco tanto o oprimido quanto o opressor têm a mesma fisionomia. Eles trepam, brocham, escovam os dentes, fazem cocô, têm medos e se borram todos. Nosso demônio narigudo não perdoa nenhum dos dois. Ele simplesmente mostra o quanto é ridículo esta coisa chamada ser humano, seja ele poderoso ou não.
Depois de tanta galhofa ficou besta aquela postura de humorista deputado. Glauco, em companhia de seu nariz, desarticulou o aparelho e tornou públicas nossas fraquezas. Mostrou que humorista só presta mesmo pra fazer humor e mais nada. Fodam-se as palavras de ordem porque agora o nervo está exposto, e se alguém abaixou as calças e mostrou a bunda este alguém se chama Glauco, que, diga-se de passagem, não tem lá uma bunda das melhores. Mas nem Glauco nem seu nariz sabem de tudo isso. Parece que fazem tudo na orelhada. Melhor assim. Caso contrário se tornariam uns chatos.
* Fragmento do prefácio de Angeli para a primeira edição das Abobrinhas da Brasilônia de 1985.
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