13/01/2009
- Por L&PM Editores
"Morre lentamente quem não viaja,/ quem não lê,/ quem não ouve música,/ quem não encontra graça em si mesmo./ Morre lentamente/ quem destroi seu amor próprio,/ quem não se deixa ajudar..."
O poema "Morre lentamente", atribuído por engano a Pablo Neruda, circula há anos na Internet, ao ponto de, na Espanha, muitas pessoas terem recebido seus versos como votos online de um feliz ano-novo. O poema na verdade é uma crônica intitulada "A morte devagar" da escritora e poeta Martha Medeiros.
A mesma crônica foi citada por Clemente Mastella, ex-ministro italiano da Justiça, em discurso que comunicou sua renúncia ao cargo, em janeiro de 2008. Na época, Mastella também atribuiu o trecho ao poeta chileno Pablo Neruda.
Este e outros textos circulam na internet há muito tempo e "não sabemos quem os atribuiu a Neruda, mas os nerudianos que temos consultado não os conhecem", afirma Adriana Valenzuela, bibliotecária da Fundação Pablo Neruda.
Porque não é apenas "Muere lentamente" o único o "falso Neruda" que encontram os internautas. Também costumam atribuir ao autor do "Canto geral" os poemas "Queda prohibido", que é de Alfredo Cuervo, escritor e jornalista espanhol, e "Nunca te quejes", de autor ignorado pela Fundação.
O diretor executivo da Fundação, Fernando Sáez, diz que não é a primeira vez nem será a última, que as pessoas imputem a um poeta famoso textos que ele jamais escreveu e cuja autoria é desconhecida.
Um dos enganos do gênero aconteceu com um famoso texto atribuído a Borges sobre as maravilhas da vida, que nem com sua maior ironia ele teria suportado e menos ainda escrito. O suposto poema de Borges, "Instantes", segundo esclareceu a viúva do escritor, María Kodama, é de autoria da escritora norte-americana Nadine Stair.
Mais estrondoso ainda foi o falso apócrifo atribuído a Gabriel García Márquez, "La marioneta", com o qual o prêmio Nobel de Literatura colombiano se despedia de seus amigos, após saber que estava com um câncer. "Se por um instante Deus se esqueceu de que sou um marionete de pano e me presenteasse com um pouco mais de vida, aproveitaria esse tempo o mais que pudesse..." diz o texto cuja "autoria" quase matou de verdade García Márquez, como ele mesmo disse ao desmentir que o poema fosse criação sua.
"O que pode me matar é a vergonha de que alguém acredite de verdade que fui eu que escrevi", disse Gabo.
Cansada de ver as pessoas dizendo que sua crônica é do poeta chileno, a própria escritora entrou em contato com a Fundação Neruda para esclarecer a autoria do texto, pois coincide em grande parte com seu texto "A morte devagar", publicado em 2000, às vésperas do Dia dos Mortos.
Martha reconhece que não sabe como a crônica começou a circular na internet, já que há "muitos textos" seus que estão na rede "como se fossem de outros autores". "Infelizmente, não há nada a fazer", acrescenta. A poeta e romancista brasileira de 47 anos admira profundamente o poeta chileno Pablo Neruda, de quem se declara uma fã, mas prefere que "cada um tenha seu trabalho reconhecido". No entanto, não perde o sono com essas coisas e assegura que tem "humor suficiente para rir de tudo isso".
A Fundação concorda com Martha e afirma que pouco pode ser feito para deter esta bola de neve na rede, já que ao fazermos uma busca no Google sobre o poema "Muere lentamente" associado ao nome do poeta Pablo Neruda, vão aparecer milhares de referências associadas ao nome do poeta.
Fonte: O Estado de São Paulo
Leia em PDF a crônica “A morte devagar”, motivo de polêmica internacional, publicada em novembro de 2000 no jornal Zero Hora e que pode ser lida no volume de crônicas Non-stop (Coleção L&PM Pocket, 2007):
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