Vida & Obra


Victor Hugo

Em Les Soleils du romantisme (“Os sóis do romantismo”), Claude Roy pergunta: “Alguma pessoa sensata acreditaria que um homem comum poderia ter sido tudo o que foi Victor Hugo, a dizer, o maior dos poetas de seu século e uma de suas figuras mais influentes, um animal político e um Don Juan, um filósofo e um homem de negócios, o autor dramático mais importante e o romancista mais popular [...], o criador de uma religião e o guru de sua época?”. Ora, é claro!

E ainda faltou dizer que Hugo encarnou a defesa do essencial e do universal para seus semelhantes ao abraçar a causa dos humildes e dos desvalidos – algo não muito comum na época – e ao ser um dos primeiros a propor a criação dos Estados Unidos da Europa e a fundação de uma república universal, generosa e  respeitosa em relação à dignidade humana. Sua figura de patriarca, suas ideias humanitárias e seu prestígio de escritor engajado se espalharam para além de todas as fronteiras e permanecem tão presentes hoje como quando ele ainda era vivo.

UMA VIDA EXCEPCIONALMENTE LONGA E PRECOCE
Aos 28 anos, Victor Hugo foi alçado à glória. Tornou-se o ídolo da nova geração romântica que iria revolucionar as artes ao rejeitar os ditames do classicismo. Isso se deu no teatro, com a célebre batalha de Hernani, entre a plateia, partidária de Victor Hugo, e o público dos camarotes, perplexo e ultrapassado. Tanto por sua obra imensa e solidária com aqueles que sofrem como por suas escolhas políticas, que renderam contra ele ódios ferozes e banimentos sucessivos, Victor Hugo foi, como gostava de ser visto, “o eco sonoro” do século em que viveu. A voz alta e calorosa, o vigor da verve lírica e polêmica, o pensamento visionário e a pujança da imaginação prodigiosa maravilharam seus contemporâneos até o fim de sua vida. Radiantes, apaixonadas, pontuadas por sucessos e sofrimentos, a vida e a obra de Victor Hugo se confundem com a história do século XIX na França.

EM 1802, ANO DE SEU NASCIMENTO, “ESTE SÉCULO TINHA DOIS ANOS”
O Império, com seu estado paternal, embalou a infância de Hugo e, em 1885 – ano em que morreu –, a República que ele tanto defendia, às vezes arriscando a própria vida, estava definitivamente proclamada. Aos olhos do povo, ele a personificava. Para Victor Hugo, a República representou um combate implacável, ao qual ele se dedicou sem esmorecer durante 35 anos. Uma conquista ardorosamente esperada depois da Revolução Francesa (1789), mas que acabou culminando no período do Terror — em seu último romance, Noventa e três (1874), ele retrata os feitos sangrentos de homens de diferentes posições no processo revolucionário. E esperada também depois da Revolução de 1830 — na qual vimos Gavroche, o menino de rua de Os miseráveis, morrer nas barricadas em um de seus desdobramentos posteriores. E também depois da Revolução de 1848, que, contrariando todas as expectativas, possibilitou a ascensão do segundo Império e obrigou Victor Hugo a um exílio de mais de vinte anos nas ilhas de Jersey e de Guernesey.

OS ANOS DE EXÍLIO
Victor Hugo aproveitou o tempo de exílio para escrever suas principais obras poéticas e romanescas, dentre as quais quatro ou cinco se destacam como uma espécie de linha-mestra. É nesse período que surgem Os castigos (1853), coletânea de poemas satíricos contra o usurpador Napoleão III; A lenda dos séculos (1859 a 1877), longa epopeia sobre a história da humanidade; Os trabalhadores do mar (1866), um  romance reflexão sobre a luta do homem contra si mesmo e contra o oceano; e O homem que ri (1869), um romance barroco que aborda mais uma vez o tema da mutilação como castigo imposto ao povo pelos poderosos. No auge do exílio, Hugo escreveu: “Estou em um isolamento quase absoluto. Eu trabalho, essa é minha força”.

UM AUTOR ENGAJADO
Para Victor Hugo, as turbulências da História pontuaram e motivaram um longo combate pessoal. Sua luta contra as origens conservadoras, monarquistas e católicas a princípio ficou marcada por hesitações e escolhas consideradas bastante moderadas. Em 1829, porém, com a publicação de O último dia de um condenado, ele corajosamente tomou partido contra todos os preconceitos da época e a favor da abolição da pena de morte, que considerava desumana e inútil. Tal abolição, no entanto, só se deu um século depois de sua morte. Hugo militou pela emancipação de homens e mulheres através da educação, apesar de ter recusado duas vezes o cargo de ministro. Durante os dias de provações, ele tomou consciência da pobreza e da infelicidade e, a partir de uma moral cristã que pregava a piedade, assumiu o dever de promover a solidariedade entre os homens. Muitos de seus poemas assinalam o caráter imperioso do perdão, da exigência de um tratamento humano aos aleijados, aos deformados, a todos os Quasímodos, a todos os condenados da Terra – os excluídos, os ladrões, os infelizes de todos os tipos. Para Hugo, a redenção é sempre possível, tanto diante de Deus como da justiça dos homens, sempre tão injusta contra os oprimidos – um dos temas mais recorrentes em seus livros. Essas esperanças estão encarnadas em personagens míticos e universalmente conhecidos como Jean Valjean, Javert, Claude Gueux, Quasímodo. Ele acreditava no homem e em sua força para sair vencedor na luta muitas vezes desanimadora do bem contra o mal.

Da mesma forma, ele lutou pelo respeito à liberdade de expressão, inalienável e sagrado para o escritor e crítico feroz que por fim ele se mostraria sob todo e qualquer regime. Ao longo de toda a vida, sua obra plantou sementes cujos frutos, mais tarde, outros depois dele colheriam...

*Trecho do dossiê que acompanha a edição de Os miseráveis da Série Clássicos da Literatura em Quadrinhos.

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