Pablo Picasso nasceu em Málaga, na Espanha, em 25 de outubro de 1881 e morreu ao amanhecer do dia 8 de abril de 1973 aos 91 anos de idade, na vila de Nôtre Dame de la Vie, em Mougins, sul da França, depois de ter trabalhado a noite inteira.
E foi exatamente esta incrível capacidade de trabalhar e revolucionar tudo em que se envolvia que tornou Picasso, já em meados do século, a supercelebridade que foi por quase cinqüenta anos. É um dos raros casos de um pintor que, em vida, atinge a notoriedade de um astro pop. E Picasso foi um astro pop.
Através de suas invenções, a arte mudou de cara. Deixou os salões aristocráticos e foi literalmente para a boca do povo. Para aplaudi-la ou para ridicularizá-la. Deixou de ser simplesmente um instrumento de prazer estético e passou a influenciar o dia-a-dia, o design das coisas, a provocar emoções e fazer política. "Guernica", o dramático painel exibido na Exposição Internacional de Paris de 1937, no pavilhão espanhol, tornou-se uma verdadeira bandeira libertária, uma denúncia eloqüente e definitiva da barbárie, do fascismo e da opressão. Esta imensa tela pintada a óleo de 3,50 m x 7,80 m, basicamente em branco e preto, foi concebida e realizada num ritmo febril, entre o final de maio e começo de junho de 1937, depois que Picasso leu uma pequena notícia no Times londrino que dava conta do bombardeio e destruição da cidade de Guernica, a mais antiga das províncias bascas. Seu pavor diante da carnificina promovida pelos bombardeiros de Franco e Hitler ficou estampado neste painel monumental e projetou o acontecimento de poucas linhas do jornal Times de Londres como um grande símbolo de horror e repúdio ao facismo.
Picasso, que aos 12 anos, segundo suas próprias palavras (!), "desenhava como Rafael", já aos 15 espantava pais e professores ao pintar com uma técnica impecável quadros acadêmicos que tinham o dobro de seu tamanho. No princípio do século abandonou a Catalunha, onde sua família havia se estabelecido, e partiu com jovens artistas espanhóis rumo ao sonho parisiense. Lá ele conheceu intelectuais, pintores e iniciou sua fulminante carreira. As fases azul e rosa são o primeiro fruto de sua temporada francesa e refletem a dureza e as privações dos primeiros tempos. São quadros belíssimos e tristes retratando cenas de abandono e calma resignação entre maternidades e saltimbancos esquálidos. Depois há a explosão de "Demoiselles d’Avignon" em 1907 – Picasso faz um quadro estranhíssimo inspirado em máscaras africanas que ele vira nos estúdios que cercavam o miserável prédio Bâteau Lavoir, onde vivia. Estava iniciado o Cubismo, a grande revolução das artes plásticas depois do Impressionismo. Com George Braque, Picasso criaria esta escola que praticamente serviu de base para todas as transformações posteriores da arte moderna.
Picasso experimentou todas as técnicas possíveis nas artes plásticas: pintura (com todos os materiais), desenho, colagem, escultura, gravura etc. Leitor voraz, amigo de escritores que, como ele, deram feição ao século XX, Picasso escreveu três peças de teatro: Les Quatre Petit Filles, L’Enterrement du Comte D’Orgaz e a mais importante e famosa, O desejo pego pelo rabo (publicada na Coleção L&PM Pocket), sua primeira aventura literária concebida justamente no início de 1941, um ano particularmente difícil para os artistas e intelectuais estabelecidos na França ocupada pelo exército alemão. O governo colaboracionista de Vichy, pressionado pelos generais nazistas, impunha censura férrea. Picasso, o autor de “Guernica” e confessadamente simpatizante comunista, era protegido por sua celebridade, mas vigiado e impedido de expor. Isto significava sofrimento e privações. O inverno rigoroso, sérias questões sentimentais, a perseguição, prisão e morte a muitos dos seus amigos, mais as dificuldades econômicas reduzem o exuberante espanhol a um deprimido silêncio. E é neste ambiente que ele começa a escrever. Primeiro misturando desenhos e frases – inclusive há um desenho desta época onde ele se retrata escrevendo –, depois avança para um texto amplo, rápido, instintivo. Seu pensamento literário não tem a segurança de seu pensamento plástico, mas ele segue em frente com as armas da sua prodigiosa imaginação. Diz Antonina Vallentin em seu livro Picasso – sua vida e sua obra: "O surrealismo, que não influenciou sua pintura – com exceção dos desenhos de 1933 –, enche o seu estilo de um colorido vivo. Os apontamentos que cobrem os seus cadernos tomam a forma de uma peça de teatro que ele escreve guiada por associações de idéias, de sonhos vagabundos, por fragmentos do que ele viu e ouviu. São choques entre o absurdo e o quotidiano que formam arabescos imprevistos, um pontilhado de cores. Picasso tem muito prazer em escrever esta peça". Seu inseparável amigo e secretário, o catalão Sabartès, dizia que Picasso começou a escrever "unicamente como passatempo".
Pierre Daix, crítico de arte, também biógrafo de Picasso, diz que esta farsa cruel e ao mesmo tempo bem-humorada que nasce "das relações com o frio, a fome e o amor" permanece sem dúvida "como uma das melhores peças de teatro de escrita automática. É mais do que provável que Picasso estava a par das tentativas surrealistas dos anos 20".
O uso de referências próximas do dia-a-dia, aliado à sua exuberante criatividade e a absoluta impossibilidade de fazer coisas normais, fez com que O desejo... entrasse para a história daqueles dias difíceis quando, no dizer de Antonina Vallentin, "as esperanças fatigavam-se até se desgastarem. Por vezes essa fadiga lançava os mais timoratos na ação, ou incitava os outros a pactuar com o inimigo".
No final da guerra, em março de 1944, sob a expectativa da libertação de Paris, um grupo de intelectuais amigos, tão ansiosos quanto Picasso pelo fim do pesadelo fascista, reuniu-se na casa do escritor Michel Leiris para fazer uma leitura dramática da peça do pintor. Este momento foi eternizado por uma foto de Brassaï (acima) na qual posam juntamente com Picasso o ilustre elenco de atores que fizeram a performance sob a direção de Albert Camus. São eles: Jacques Lacan, Cecile Éluard, Pierre Reverdy, Louise Leiris, Zanie Aubier, Valentine Hugo, Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre, Albert Camus, Michel Leiris e Jean Aubier.
Esta peça tornou-se uma preciosidade dentro do conjunto da imensa presença de Picasso na cena cultural do século XX. Sua motivação, o período em que foi composta e o resultado tão anticonvencional quanto tudo o que Picasso fez, coloca O desejo pego pelo rabo muito acima de uma simples curiosidade produzida por um gênio. Fora do seu métier habitual – as artes plásticas –, segue sendo coerente com tudo o que fez, pensou e que ele expressou de maneira tão precisa em uma entrevista a publicação americana New Masses, publicada em 24 de outubro de 1944:
“Orgulho-me de dizer que nunca considerei a pintura uma simples arte de adorno, de distração; quis através do desenho e da cor, já que eram eles as minhas armas, avançar sempre mais no conhecimento do mundo e dos homens, a fim de que esse conhecimento nos libertasse cada dia mais (...). Sim, tenho consciência de ter sempre lutado por minha pintura como verdadeiro revolucionário”.
Por Ivan Pinheiro Machado
Duração: 2min 8segs
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LORRAINY
SAO PAULO
Eu gostei da história do Pablo Picasso, é deslumbrante.
06/05/2014 18:28:54
Agatha
Willmarley
Rio Verde
Gostei muito!!!
24/04/2013 10:31:48