Vida & Obra


Jonathan Swift

Testemunha orgulhosa e ressentida da sociedade de seu tempo, Jonathan Swift (1667-1745) construiu sua obra literária com o mais fino aço da inteligência e as mais agressivas pedras da indignação. Com uma sensi­bilidade incomum e várias vezes ferida, atuou sempre com forte razão objetiva, lucidez cortante, extremo realismo, e a serviço de uma consciência moral severamente honesta. Foi assim que se tornou, como hostili­zador e hostilizado, vítima e car­rasco, talvez o maior prosador da língua inglesa e provavelmente o maior satírico da literatura universal. Um dos maiores humanistas do seu tempo, numa época em que se dava ênfase ao classicismo, sua consciência orientou seu método, o método orientou o estilo, e, diante disso, surgiu uma prosa rigo­rosamente clássica, de extraordinária eficácia na transmissão de seus valores e ideais.

Jonathan Swift nasceu num escuro dia dublinense, em 30 de novembro de 1667, e não encontrou o pai, morto sete meses antes. Logo surgiram os comentários de bisbilhoteiros, dizendo que o pe­queno Jonathan talvez não fosse filho do velho Jonathan, mas de uma ligação espúria da mãe com o nobre John Temple.

A Inglaterra vivia então uma séria crise política e religio­sa, após onze anos de república, regida pelo despótico Oliver Cromwell. A restauração da monarquia, com Carlos II, não trouxera a neces­sária tranqüilidade política ao país. Entretanto, a mãe de Swift, desconhecendo esses problemas, estava ansio­sa por viver na Inglaterra. Para realizar seu desejo, confiou o filho aos cuidados do cunhado Goodwin, que o mandou estudar na escola Kilkenny e ensinou-lhe boas maneiras. Porém, nunca lhe deu amor ou carinho. Quando menino padecia de vertigens e crises de surdez; o tio limitava-se a medicá-lo, frio e indiferente.

Em 1681, matriculou-o na Universidade de Trinity, onde Swift se distinguiu apenas pelas punições: mais de setenta em dois anos, devidas a má conduta e falta de aplicação nos estudos. Aborrecia-se dos conhecimentos. Ao fim do curso, para ver-se livre dele, a con­gregação deu-lhe o diploma. Mesmo que não o diplomassem, Swift teria abandonado a uni­versidade por falta de condições financeiras. A morte do tio, em 1688, privara-o de seu único esteio, e a situação caótica da Irlanda impelia-o para bem longe.

Coroado em 1685, Jaime II ficaria no poder durante apenas três anos. Em 1688, a Revolução Gloriosa colocou no trono seu genro, Guilherme de Orange. Jaime II asilou-se na Irlanda, católica como ele. Swift não esperou para ver os problemas causados pela presença de Jaime II na Irlanda. No mesmo ano da Revolução Gloriosa, foi juntar-se a sua mãe em Leicester, o lugar mais distante da Irlanda onde suas economias permitiam-lhe ir. A mãe não dispunha de muito dinheiro para ajudá-lo. Era preciso encontrar um emprego. Valeu-lhe nessa busca a antiga amizade ma­terna com a família Temple. Sir William, estadista e escritor de pres­tígio, que participara do governo durante o reinado de Carlos II, deu-lhe um emprego em sua propriedade rural de Moor Place, na Inglaterra.

Swift entediou-se no campo, mas o lugar passou a ter um novo encanto com a chegada de Esther Johnson. Era uma menina de oito anos que, segundo as más línguas, seria filha de Sir William com uma criada. O escritor apaixonou-se pela garota e a amou até o fim da vida. A ela dedicou alguns dos seus mais belos poemas. O possível parentesco (Jonathan seria tio de Esther) e a diferença de idade não constituíram barreira para o desabrochar do afeto entre o jovem e a criança. Chamou-a Stella (estrela), fiel à moda corrente de reba­tizar a amada com um nome latino.

A presença de Stella traria muitas alegrias ao escritor, mas não o bastante para retê-lo no lugar. Swift tinha ambições. Compreendia que, para realizá-Ias, necessitava de um diploma. Em 1693, dou­torou-se em teologia pela Universidade de Oxford. Pouco depois, assumiu o posto de cônego em Kilroot, na Irlanda, obtido novamente graças às boas relações de Sir William.

Longe de Stella, julgou-se apaixonado por uma certa Jane Wa­ring, a quem apelidou de Varina. Mas o arrebatamento amoroso durou pouco, e, em 1695, retornava arrependido a Moor Place. Ao voltar, encontrou William escrevendo um panfleto conserva­dor sobre a “batalha dos livros”. Promovido a secretário por Sir Temple, achou-se obrigado a defen­dê-lo. Redigiu, então, em 1697, A Batalha dos Livros. Mas, por trás da defesa dos conservadores, ironizava sutilmente ambas as posições. A obra seria publicada em 1704, juntamente com O Conto do Tonel, um ataque à vida religiosa na Inglaterra, também escrito em Moor Place. A sátira, o pessimismo, o riso amargo seriam, a partir de então, a característica básica de sua obra.

A morte de William Temple, em 1701, não só o privou de um emprego fácil como obrigou Swift a perambular pelos nobres de Leicester em busca de proteção. Pleiteou o cargo de deão de Derry, mas como as autoridades eclesiásticas o achavam muito jovem para um posto tão elevado, mandaram-no para Dunlevin, na Irlanda. No mesmo ano, estava instalado no novo lar, perdido entre planícies desérticas e silenciosas.

Não ficaria sozinho por muito tempo. Atendendo a seu pedido, Stella foi viver ali perto, levando consigo a Sra. Dingley, prima pobre de Sir William. Durante toda sua vida jamais houve um gesto inconveniente entre Swift e Stella. No Diário a Stella, iniciado em 1710, não há nenhuma alusão a intimidades entre eles. Apenas uma vez, num arroubo de fantasia, Swift descreve a amada levan­tando-se da cama, pela manhã, com a alva perna desnuda: a sen­sualidade detém-se nesse detalhe da imaginação.

Já instalado na Irlanda, em 1701, Swift publicou anonimamente o Discurso sobre as Dissenções entre Nobres e Comuns em Atenas e Roma, no qual a alusão aos partidos ingleses e sua posição ao lado dos whigs valeram-lhe forte ataque dos conservadores. Na mesma época, vislumbrando a possibilidade de ascender na Igreja anglicana com a ajuda dos políticos, começou a viajar feqüentemente para Londres. Conseguiu editora para A Batalha dos Livros e O Conto do Tonel. Tornou-se popular, com a ajuda de satíricos como Alexander Pope e escritores polemistas como Richard Steele e Joseph Addison.

Eles reconheciam em suas sátiras motivos semelhantes aos deles: profundo amor à verdade, feroz aversão à hipocrisia, honesto desejo de demolir as ilusões de seu povo. Fiel a suas idéias, Swift entrou em polêmica com um famoso astrólogo da época, de nome Partridge, a quem considerava um charlatão, e começou a colaborar para o Examiner, um prestigioso periódico, com a função de comentar os fatos políticos e sociais de Londres.

Se a ambição e as amizades o mantinham em Londres, seu co­ração continuava preso a Stella. Escrevia-lhe numerosas cartas, fazia-lhe confissões no Diário. Todas as noites fechava-se no quarto para o diálogo mental com a amada. De quando em quando, atacava suas falhas. Criticava-lhe sobretudo sua palidez excessiva, que, ao contrário dos poetas do seu tempo, considerava um defeito. Mas, em 1713, abandonou o Diário, pelo que considerava uma grande injustiça. A rainha pretendia dar-lhe a Sé de Hereford, que ele ambicionava, mas as intrigas da corte, escandalizada com os livros do escritor, fizeram a soberana abandonar o projeto. Foi no­meado, então, deão da Catedral de São Patrício, em Dublin.

A acolhida dos irlandeses foi fria, quase hostil. Tinham ciúmes de sua vida londrina e desconfiavam de suas atividades políticas. Em Dublin, Swift não tinha mais amigos, nem prestígio, nem a presença consolidadora de Stella. Mas as más notícias se acumulavam.

Em 1714, morria a rainha Ana e subia ao trono Jorge I, um alemão que estabeleceu na Inglaterra a dinastia de Hannover. O descontentamento era geral, os ingleses não desejavam um monarca estrangeiro.

Ao saber de seus problemas, Stella foi juntar-se a ele, em Dublin. Mas, na mesma época, outra mulher o procurava com outro objetivo. Esther Vamhomrigh, filha de mercador alemão, andara sendo cor­tejada por Swift, que inclusive lhe dedicou um poema, Cadenus e Vanessa: Cadenus, anagrama da palavra latina deão, referia-se ao autor; Vanessa era o nome poético de Esther. Ela tentou convencê-lo a esposá-la, e ao saber de suas ligações com Stella escreveu uma carta à rival. Stella mostrou a carta a Swift, que, pálido de cólera, rumou para a habitação de Vanessa e lá, sem dizer-lhe uma palavra, atirou-lhe aos pés uma carta de despedida. Nunca mais a viu, e semanas depois a moça morreu de tristeza. O episódio gerou boatos nunca esclarecidos: segundo al­guns, Swift teria casado secretamente com Vanessa; outros afirmaram que casara com Stella. O mais provável é que tenha per­manecido no celibato, cultivando um amor puramente espiritual.

Ao produzir sua obra-prima, As Viagens de Gulliver, Swift não pre­tendia divertir as crianças nem tornar-se o autor predileto do público infantil. Em 1725, ao escrever seu livro, enviou uma carta ao seu amigo Alexander Pope, afirmando que, com As Viagens de Gulliver, pre­tendia ajudar o mundo, não diverti-lo. “Estou coligindo dados para desmascarar o homem como animal racional, que parece comprazer-se no cultivo dos instintos e nada de bom constrói. Odeio esse animal cha­mado homem, embora ame com todo o coração a Pedro ou a João.”

Além de desmascarar a humanidade e demolir seus falsos valores – seu objetivo primordial –, Swift visava ainda a ridicularizar a moda dos livros de viagem, que, na época, se transformara numa obsessão da burguesia. Publicado pela primeira vez em 1762, por Benjamin Motte, o sucesso do livro levou rapidamente a uma segunda edição, lançada no ano seguinte. O curioso é que, anos mais tarde, expurgado de todas as situações desagradáveis e das verdades amargas, a obra se transformou num dos maiores clássicos da literatura.

Em 1728, a doce Stella morria de um mal desconhecido. A perda da amada deve ter sido um abalo para o escritor. Esse homem amargo, que revelava ter horror às crianças, guardava no interior sentimentos profundos, zelosamente protegidos por uma forte cou­raça. Em público, todavia, esforçava-se por manter a imagem de um escritor irreverente, que não se poupava a si mesmo. Em 1731, com o poema A Morte do Dr. Swift, teve a coragem de colocar-se a si próprio no ridículo. Nessa altura, Swift perdia aos poucos sua sanidade mental, da qual muitos já duvidavam havia tempo. A surdez que o incomodara na infância o acometeu de vez. Surdo e louco, Swift exilou-se em Dublin, onde servia de espetáculo aos bisbilhoteiros e ociosos, que vinham espiá-lo. Num momento de lucidez, incluiu uma cláusula em seu testamento em benefício de um asilo de loucos. Parece ter sido seu último ato. Aos 19 de outubro de 1745, morreu imerso nas sombras da loucura e na solidão da surdez.

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Opinião do Leitor

Veronica Maria Mandaj
São Vicente-São Paulo

Usarei como apoio para a leitura do livro em sala de aula. Neste exato momento estou estudando uma maneira de relacionar essa junção do novo com o antigo. Gostaria de saber mais sobre este vídeo.

06/10/2013