29/01/2014
- Por Fernanda Scherer
Major Policarpo Quaresma encarna a luta pela grandeza do país
Publicado em 1911, Triste fim de Policarpo Quaresma comprova a incompetência dos políticos brasileiros através dos tempos, o que lhe dá uma atualidade surpreendente e um caráter profético ao seu autor, Lima Barreto. Clássico da literatura brasileira, o livro denuncia os males da sociedade brasileira da época (!): a burocracia das repartições públicas, o clientelismo, a bajulação, a injustiça social, o problema da terra, etc. Neste enredo surge um D. Quixote nacional, o Major Policarpo Quaresma. Visionário e patriota, o personagem encarna a luta pela grandeza do país. Para trabalhar esse grande clássico, sugerimos abaixo um roteiro com assuntos para discussão em sala de aula.
A L&PM publica Triste fim de Policarpo Quaresma em formato pocket e também em uma versão adaptada para Neoleitores.
SOBRE O LIVRO
Policarpo Quaresma, funcionário público, é um nacionalista exaltado, que só valoriza os produtos nacionais e a cultura tipicamente brasileira. Chega a propor que o tupi-guarani seja a língua oficial do país, por ser a língua dos índios. Somente o amigo Ricardo Coração dos Outros e a afilhada Olga valorizam as suas ideias. Os outros acham que ele é meio louco, e Quaresma passa alguns meses internado num hospício. Quando sai de lá, compra um sítio no interior e resolve se dedicar à agricultura, mas acaba envolvido na politicagem local. Volta ao Rio de Janeiro quando acontece a Revolta da Armada. Ao defender o governo do marechal Floriano Peixoto, Quaresma mais uma vez se desilude pela falta de nacionalismo dos governantes do país e acaba sendo preso. No final, percebe que a pátria que defendia era apenas um sonho e que a realidade é bem diferente.
Triste fim de Policarpo Quaresma, publicado em capítulos, num jornal, em 1911, e em livro em 1915, narra uma história que se passa em 1893, ano em que acontece a Revolta da Armada, no Rio de Janeiro: a Marinha se rebela contra o presidente Floriano Peixoto, querendo derrubar o governo. Também na época acontece a Revolução Federalista, no Rio Grande do Sul, que durou até 1895: o grupo dos federalistas enfrenta os republicanos, que contavam com o apoio federal e que acabaram vencendo. Além disso, a obra faz várias referências à Guerra do Paraguai (1864-1870), na qual a Tríplice Aliança, formada por Brasil, Argentina e Uruguai, apoiada pela Inglaterra, combate o Paraguai, país que começava a se destacar economicamente e por isso ameaçava os países vizinhos. Nesta guerra, se destacam as batalhas do Curupaiti, ocorrida a 22 de setembro de 1866, onde as forças paraguaias foram vitoriosas e cinco mil soldados brasileiros morreram, e a de Humaitá, nome de uma fortaleza paraguaia, que só foi tomada definitivamente pelas tropas aliadas no ano de 1868.
PERSONAGENS DA HISTÓRIA
FAMÍLIA E AMIGOS DO MAJOR QUARESMA
Policarpo Quaresma — funcionário do Ministério da Guerra; dedicou sua vida ao nacionalismo. Estudava a história do Brasil e fez várias propostas para desenvolver o país.
Adelaide — irmã de Quaresma; não se casou e morava com o irmão, mas não entendia por que ele estudava tanto e se preocupava com a situação do país.
Anastácio — antigo escravo, caseiro de Quaresma; ensinava o major a trabalhar na terra.
Vicente Coleoni — imigrante italiano que foi ajudado por Quaresma e se tornou comerciante e depois rico empreiteiro.
Olga Coleoni — filha de Vicente, afilhada de Quaresma; tenta salvar o padrinho da prisão.
Armando Borges — noivo e depois marido de Olga, médico; escrevia artigos sobre medicina em linguagem difícil, mas só estava interessado em conseguir um cargo público.
Ricardo Coração dos Outros — compositor de modinhas e violonista; dava aulas de violão a Quaresma, que achava que o violão era o mais autêntico instrumento brasileiro.
FAMÍLIA E AMIGOS DO GENERAL ALBERNAZ
General Albernaz — vizinho de Quaresma, que fazia de tudo para casar as cinco filhas; gostava de contar histórias da Guerra do Paraguai, mas não tinha participado dela.
Dona Maricota — esposa do general Albernaz; sabia como ninguém animar as festas da família.
Ismênia — filha mais velha do general Albernaz; ficou noiva de Cavalcânti só porque achava que tinha a obrigação de casar com alguém. Enlouquece quando ele vai embora e nunca mais dá notícia.
Cavalcânti — noivo de Ismênia, estudante de odontologia; o pai da noiva ajuda a pagar os estudos dele, mas, depois de formado, ele vai para o interior e nunca mais volta.
Quinota, Zizi, Lalá e Vivi — filhas do general, irmãs de Ismênia; Quinota casa com Genelício, e Lalá fica noiva do tenente Fontes; as outras duas ficam na espera de um noivo.
Lulu — filho do general, aluno do Colégio Militar.
Genelício — noivo de Quinota, escriturário do Ministério da Fazenda; puxa-saco, dedo-duro e carreirista.
Tenente Fontes — noivo de Lalá; o artilheiro encarregado do canhão no quartel onde o major Quaresma comandava um destacamento.
Maria Rita — preta velha, ex-lavadeira na casa do general Albernaz; foi procurada pelo general e pelo major para ensinar velhas cantigas do Norte, mas já não lembrava de nenhuma delas.
Contra-almirante Caldas — amigo do general Albernaz, que também gostava de falar de batalhas que só conhecia por ouvir falar.
Major Inocêncio Bustamante — amigo do general Albernaz; organiza um batalhão de voluntários para defender o governo durante a revolta da Armada e ganha o posto de tenente-coronel.
Doutor Florêncio — engenheiro, amigo do general Albernaz; também é um velho funcionário público.
Sr. Bastos — guarda-livros, contador, amigo do general Albernaz.
Capitão de bombeiros Sigismundo — amigo do general Albernaz.
MORADORES DE CURUZU
Tenente Antonino Dutra — funcionário da prefeitura de Curuzu; procura Quaresma para pedir dinheiro, mas, na verdade, quer o apoio político dele. Depois persegue Quaresma.
Doutor Campos — presidente da Câmara de Curuzu; aproxima-se de Quaresma porque ouviu dizer que o major é amigo do presidente. Depois também passa a perseguir o major.
Felizardo — empregado do sítio de Quaresma, que era muito bom trabalhador mas não trabalhava nas próprias terras e bebia muito.
Sinhá Chica — esposa de Felizardo, rezadeira; sabia fazer partos e curar doenças. Ficou com Adelaide enquanto o major foi lutar contra os revoltosos da marinha.
Mané Candeeiro — empregado do sítio de Quaresma; compunha canções que falavam dos pássaros da região.
PERSONAGEM HISTÓRICO
Marechal Floriano Peixoto — personagem real, presidente do Brasil de 1891 a 1894; Quaresma achava que ele era capaz de administrar bem o país, mas o marechal se revelou um cruel e sanguinário ditador.
LOCAIS DA HISTÓRIA
O bairro de São Januário — no subúrbio do Rio de Janeiro, onde mora Policarpo Quaresma com a irmã Adelaide. Do outro lado da rua mora a grande família do general Albernaz.
O Arsenal de Guerra — repartição do Ministério da Guerra, onde Quaresma tem o cargo de subsecretário.
O hospício — onde Quaresma é internado como louco. Ele fica desequilibrado por causa do desgosto que sofreu quando foi suspenso no Arsenal depois que escreveu um ofício em tupi-guarani. Lá ele era visitado pela afilhada, pelo compadre e por Ricardo Coração dos Outros.
A cidade de Curuzu — onde fica o Sítio do "Sossego", que o major compra para provar que é possível produzir qualquer coisa nas terras do Brasil.
O centro do Rio de Janeiro — onde ficam o Palácio Presidencial, os quartéis, os bares elegantes, os teatros.
A casa de Vicente Coleoni — onde moram o compadre e a afilhada de Quaresma, Olga. Depois que ela casa, o marido dela, o dr. Armando Borges, passa a morar lá também.
A Ilha das Enxadas — onde Quaresma fica encarregado de tomar conta dos rebeldes prisioneiros e depois é preso.
PARA PENSAR
1. O ESTUDO E OS LIVROS
Desde 1500 até 1808, era proibido editar livros no Brasil, e as pessoas comuns também eram proibidas de ter livros em casa. Só em 1808, quando Portugal é invadido pelos franceses e o rei vem para o Brasil, é que os livros começam a aparecer e a circular por aqui. Até a independência do Brasil, que aconteceu em 1822, só os muito ricos podiam se tornar médicos, advogados ou engenheiros ou fazer qualquer outro curso universitário, porque era preciso ir estudar na Europa.
Triste fim de Policarpo Quaresma foi publicado em 1915. Nessa época, muito pouca gente sabia ler e escrever no Brasil — só dez por cento da população. Na história, os vizinhos se irritam porque Quaresma tem livros em casa, acham que ele enlouqueceu porque lia, dizem coisas como “Esse Quaresma! Podia estar bem, mas foi meter-se com livros.”
1. O que se diz agora a respeito de pessoas que gostam de ler?
2. Por que não havia oportunidades para que todos aprendessem a ler naquela época?
3. Por que aumentaram as oportunidades para que mais gente aprenda a ler e a escrever agora?
4. Que valor as pessoas davam para quem estudava naquela época e que valor dão hoje em dia para quem estuda?
2. O TRABALHO
Quando o rei de Portugal se muda para o Brasil, em 1808, ele traz as pessoas da corte, isto é, as pessoas que eram sustentadas com o dinheiro da venda do açúcar brasileiro para os outros países da Europa. Essas pessoas ganhavam títulos de barão, de marquês etc. e viviam em festas no palácio real. Quando chegam no Brasil, tentam viver aqui como viviam lá, isto é, às custas do dinheiro público, sem trabalhar.
A história de Policarpo se passa cem anos depois, já na República e, como vimos, o ambicioso Genelício quer ser diretor de sua seção no Tesouro, o médico Armando Borges quer um emprego público, Albernaz quer que a filha case com um militar, que tem um salário certo no fim do mês. Todos os demais militares correm atrás de promoções, de gratificações, de comissões etc.
1. Como eram produzidas as riquezas que sustentavam todo esse pessoal?
2. Que valor as pessoas dão, no livro, para os que trabalham, como, por exemplo, Anastácio, Felizardo, Mané Candeeiro? Que valor dão para quem ganhou dinheiro com o próprio trabalho, como, por exemplo, o antigo verdureiro Vicente Coleoni?
3. O trabalho braçal é valorizado hoje no Brasil?
4. Que valor tem quem se forma e ganha um título?
5. O livro nos conta que o major Quaresma chegava em casa às quatro e quinze da tarde e que ele acordava cedo para ler na sua biblioteca até às dez horas, quando ia almoçar. O fato de não haver luz elétrica naquele tempo é uma das diferenças entre aquela época e a nossa. O que você acha dessas diferenças? Como você acha que era viver naquele tempo?
6. Como você vê os funcionários públicos hoje? Você já viveu situações nas quais algum funcionário público prestou um bom ou mau serviço?
3. NACIONALISMO E COLONIALISMO
Lemos que Policarpo Quaresma fica muito irritado com um colega que diz que o maior desejo dele é conhecer a Europa. O Quaresma diz que ele deveria querer conhecer o Brasil, e o colega responde que aqui só tem mosquitos e doenças. Esse colega era o que podemos chamar de "colonizado", isto é, uma pessoa que pensa que só o que vem de fora do nosso país tem valor. De outro lado, o nacionalismo de Quaresma é fanático: ele acha que tudo no Brasil é melhor do que em qualquer outro lugar do mundo: os rios são maiores, a terra é mais fértil. Nacionalismo e colonialismo são duas atitudes muito comuns entre nós.
1. Você conhece pessoas com posturas nacionalistas ou colonizadas? Como é que elas expressam essas posições?
2. Ao longo de sua vida você tem observado mudanças de atitudes das pessoas com relação a isso? Houve época em que as pessoas eram mais colonizadas ou mais nacionalistas do que são hoje em dia?
3. Como é que você se coloca entre esses dois extremos?
4. Como é que você tentaria convencer alguém que está querendo sair do Brasil a ficar aqui ou como você tentaria convencer alguém que o melhor a fazer é sair do Brasil?
5. Felizardo diz para Olga que o governo não gosta de brasileiros e dá tudo para os estrangeiros. O marechal Floriano, presidente da República, diz para Quaresma que não vai botar enxada na mão do povo porque o povo é vagabundo e vai usar as enxadas para assaltar e não vai ter exército que controle esse bando todo. Nos últimos anos, como é a relação do governo com o povo brasileiro? Atualmente, que ações e que discursos do governo em relação ao povo você recorda?
4. MULHERES
Vamos olhar para as mulheres que aparecem nesta história. Adelaide vai de um lado para o outro com o irmão porque já se acostumou com isso e porque nunca casou. Ismênia enlouquece e morre porque o noivo vai embora e ela se acha incapaz de arranjar outro. Olga descobre que o noivo dela é um picareta e casa com ele mesmo assim porque acha que, se não for com ele, vai ser com um outro patife igual. As irmãs de Ismênia ficam felizes quando ela fica noiva porque isso significa que está chegando a vez de cada uma delas. Nas festas, a conversa entre as moças é sempre sobre moda e festas. Olga pensa que ela só poderia fazer alguma coisa pelos miseráveis que fica conhecendo em Curuzu se tivesse nascido homem. Nenhuma dessas mulheres estuda, nenhuma delas trabalha, a não ser a negra Maria Rita, que quando mais moça era lavadeira, e sinhá Chica, esposa de Felizardo, que era rezadeira.
1. O que tinham em comum e em que eram diferentes as mulheres que trabalhavam e as que não trabalhavam?
2. Você acha que o casamento ainda tem tanta importância para as mulheres de hoje?
3. Ao longo de sua vida, que mudanças você tem observado na situação da mulher?
4. Que importância as mulheres de hoje dão para o estudo e o trabalho?
5. O que você acha que fez mudar a situação da mulher no Brasil e no mundo nos últimos cem anos?
6. O que terá levado Lima Barreto, o autor da história, a botar justamente na boca de Olga, uma mulher, a mensagem final de respeito pela dignidade de Quaresma e de esperança no futuro?
SARAU DE POESIA POLICARPO QUARESMA
1. Com base nos autores que são admirados por Policarpo Quaresma, citados no livro, apresente uma coletânea de poemas a seus alunos e peça que cada um escolha um poema para declamar (a declamação pode ter acompanhamento musical de violão).
2. Ajude-os sugerindo a entonação adequada e a dramaticidade necessária a cada verso.
3. Depois que cada aluno decorar o poema que escolheu, promova um sarau em que cada um apresentará o poema escolhido.
4. Se achar interessante, inclua na coletânea outros autores que não estão citados no livro.
PARA SABER MAIS
FILMES
Triste fim de Policarpo Quaresma (1998), de Paulo Thiago: o filme recria a obra de Lima Barreto com certa fidelidade ao livro.
Mauá, o Imperador e o Rei (1999), de Sérgio Rezende: no Rio de Janeiro, entre 1861 e 1889, Irineu Evangelista de Sousa, barão e visconde de Mauá, constrói sua fortuna e trabalha para que o progresso chegue ao Brasil. Apesar das intrigas que sofre, Mauá colabora para a chegada da luz elétrica e do transporte ferroviário. O filme inspira-se na ideia de pátria sem cair em um nacionalismo extremado.
Chiquinha Gonzaga (1999), minissérie da Rede Globo: no Rio de Janeiro imperial, da segunda metade do século 18, Francisca Edwiges Neves Gonzaga, a Chiquinha Gonzaga, luta pela afirmação da música popular brasileira e da sua condição de mulher numa sociedade dominada pelo colonialismo europeu e pelo autoritarismo machista.
Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade: baseado no livro Macunaíma, de Mário de Andrade, escrito em 1928, o filme conta a história fantasiosa de um sujeito que vai do interior para a cidade grande.
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