Notícias Profes


Entrevista com o adaptador de "Crime e castigo" para HQ

22/11/2021

- Por David Zane Mairowitz

Nascido em 1943, em Nova York, David Zane Mairowitz vive na Europa desde 1966, onde reside, atualmente, entre o Sul da França e Berlim. O responsável pela incrível adaptação de Crime e Castigo é graduado em Literatura e Filosofia e mestre em Artes Cênicas e, além de ser um premiado escritor, atua também como dramaturgo, autor de radioteatro, diretor e tradutor.

 

Para a realização dos materiais destinados ao PNLD 2021 - Ensino Médio, realizamos uma entrevista com o adaptador e roteirista. Ele nos contou sobre seus interesses quando adolescente, suas inspirações e inclusive sobre ter seus livros distribuídos a estudantes de todo o Brasil.

 

Confira:

 

 

 

 

 

 

 

Quando você começou a se interessar por quadrinhos e histórias em quadrinhos?

David Zane Mairowitz: Quando menino, eu costumava ler uma famosa série chamada Classic Comics [algo como "Clássicos em quadrinhos"] todos os meses, o que me deu o primeiro gosto da boa literatura. Quando comecei a ler "livros de verdade", sempre mantive na memória as imagens e desenhos desses quadrinhos.

Descobri as histórias em quadrinhos de uma série chamada Beginners, na Inglaterra, nos anos 1970. Começou com Marx for Beginners [Marx para iniciantes], de Rius (título com o qual eu não tive nada a ver). Eu pessoalmente fiz três títulos nesta série: Wilhelm Reich, Franz Kafka e Albert Camus. O livro Kafka for Beginners [Kafka para iniciantes, em português] (feito com o Robert Crumb) ainda está ativo em catálogo depois de quase quarenta anos e teve mais de 35 edições em todo o mundo. As duas edições brasileiras receberam o título Kafka de Crumb e foram publicadas pela Relume Dumará (2006) e Desiderata (2010).

 

Entre os seus trabalhos, quais são os seus favoritos e por quê?

DZM: Entre meus trabalhos, minha adaptação favorita (fiz muitas - de Kafka, Dostoiévski, Dickens, Conrad etc. - somente texto) é Heart of Darkness [em português, Coração das trevas, baseado na obra original de Joseph Conrad], publicada pela editora norte-americana SelfMadeHero em 2010. Esta obra traz os belos e estranhos desenhos de Catherine Anyango, diferentes de todas as outras ilustrações de histórias em quadrinhos que já vi.

 

Quais autores o inspiram?

DZM: Sou um admirador de longa data de Franz Kafka e fiz três romances gráficos a partir de sua obra, assim como também fiz adaptações para programas de rádio, peças de teatro e uma exposição de arte. Mas meu livro favorito ainda é Moby Dick, de Herman Melville.

 

Em uma conversa com jovens autores de histórias em quadrinhos, sobre quais aspectos da profissão você falaria?

DZM: Nas histórias em quadrinhos, sempre procurei focar em temas que podem ser considerados contemporâneos. Por exemplo, em Heart of Darkness não ignoramos o racismo inerente do século XIX presente em Joseph Conrad; discutimos isso abertamente, em um contexto moderno, e o tornamos parte de nosso trabalho. Para esta adaptação de Crime e castigo, notei que havia tantas coisas do livro original que ainda se assemelhavam à Rússia moderna que fizemos esta versão se passar na São Petersburgo de hoje. Raskolnikov é desenhado como uma espécie de punk moderno, e seus problemas com a burocracia russa são os mesmos da Rússia contemporânea.

 

Quais aspectos do seu trabalho podem ser ensinados ou discutidos nas escolas?

DZM: Para mim, o grande objetivo das histórias em quadrinhos baseadas em textos clássicos é inspirar os alunos a lerem a obra original. As histórias em quadrinhos não deveriam ser um substituto da obra original, mas sim uma inspiração. Disseram-me, em vários países, que meu livro Kafka para iniciantes é usado em escolas, e ocasionalmente fui chamado para falar aos alunos sobre o trabalho.

 

Se você fosse jovem hoje, você leria sua própria obra?

DZM: Ainda sou jovem (tenho apenas 77 anos)! E minha resposta é: escrevi essas obras sempre pensando nos jovens. Meus próprios filhos sempre liam minhas histórias em quadrinhos e as usavam na escola. Então a resposta é sim.

 

O que você acha de ter seu livro distribuído em escolas em um país tão grande como o Brasil?

DZM: Em 2014 ministrei um workshop de histórias em quadrinhos na Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Isso foi na época da publicação de algumas de minhas obras pela editora brasileira Veneta. Pelo que eu sei, cerca de quatro ou cinco de meus livros foram publicados no Brasil e uma de minhas melhores lembranças é andar pelas ruas do Rio de Janeiro e ver um deles à venda em uma banca de jornal comum, entre os jornais. Percebi, naquele momento, que as histórias em quadrinhos no Brasil não fazem parte de um mercado de elite, mas são muito populares, afinal, livros são vendidos assim, na rua.

Além disso, devido à geografia e à diversidade populacional do Brasil, as histórias em quadrinhos têm a vantagem de promover as ilustrações. No caso de Dostoiévski, todo o aspecto social do livro pode e deve ser usado no ensino. A história começa tratando do tema da pobreza e passa a discutir aspectos sociais do crime. Mas é sobretudo um romance sobre a alienação social dos jovens. O livro se passa em Petersburgo, mas poderia muito bem ser ambientado em Nova York ou no Rio de Janeiro. Quanto mais os estudantes se convencerem de que os personagens dos livros se parecem com eles e com seus próprios problemas, mais bem-sucedidos os livros serão em sua função educacional. Em outras palavras, em vez entenderem um livro escrito apenas como uma obra de literatura, os alunos podem se ver refletidos nos desenhos. As histórias em quadrinhos são o oposto de uma atitude elitista em relação à literatura.

 

 

 

 

 

 

.