02/03/2009
- Por L&PM Editores
História em quadrinhos na sala de aula
Graças a uma nova geração de educadores, o mercado de livros didáticos e bibliotecas escolares continua crescendo
Por Laura Hudson*
(Tradução de Ione Maria de Souza Ferreira)
Por longo tempo discriminadas na América do Norte como infantis e sensacionalistas – e até consideradas maléficas – as "revistas em quadrinhos" (publicações periódicas tradicionais de história em quadrinhos) e as graphic novels em formato de livro, atualmente estão sendo utilizadas em salas de aula nos ciclos do ensino fundamental e nos níveis superiores da educação como ferramentas para o desenvolvimento básico da leitura e de textos literários sérios.
Essa mudança, em parte demonstra reconhecimento de que o meio das histórias em quadrinhos amadureceu, e agora as graphic novels ocupam um espaço significativo nas prateleiras das livrarias. Títulos como Maus, Fun Home e American Born Chinese receberam prêmios literários normalmente reservados para a prosa em romances, e um número crescente de educadores juntamente com os fans de histórias em quadrinhos trabalham atualmente dentro de suas instituições como ferrenhos defensores desse meio.
De acordo com Milton Griepp, CEO do site de notícias sobre cultura pop ICv2.com, e John Shableski, gerente de vendas das revistas em quadrinhos Diamond, as vendas de graphic novels para bibliotecas e escolas aumentaram de cerca de 1 milhão de dólares em 2001 para mais de 30 milhões em 2007, incentivando muitos editores de histórias em quadrinhos a olhar a desconhecida industria editorial da educação, multibilionária em dólares, com interesse cada vez maior.
A chave de defesa do bibliotecário
Educador e especialista em revistas em quadrinhos, Peter Gutierrez atribui grande parte do crescente interesse das escolas em graphic novels à atuação e apoio dos bibliotecários, muitos dos quais responderam ao grande interesse por essa tendência dominante desenvolvendo importantes coleções bibliotecárias. "Nas bibliotecas tem havido uma explosão de interesse, incentivado pela popularidade e qualidade óbvia das graphic novels. Isso criou um terreno mais fértil para um tipo de movimento lateral dentro da própria sala de aula, o das narrativas artísticas seqüenciais, " diz Gutierrez.
"O mercado escolar é um gigante adormecido, e está prestes a despertar", diz Shableski. O NCTE (National Council of Teachers of English)*{Conselho Nacional de Professores de Inglês} é uma grande convenção que reúne oito a nove mil professores de inglês. Históricamente, dentre 300 atividades eles tinham uma ou duas em que mencionavam graphic novels ou revistas em quadrinhos. No ano passado foram oito. Este ano em San Antonio, aconteceram 11 atividades dedicadas à graphic novel. É uma coisa importante no mercado educacional.
A maioria das principais editoras de revistas em quadrinhos estão atualmente se estabelecendo no mercado escolar, ao passo que algumas têm feito apenas rápidas tentativas para chegar aos professores. A casa editorial do Hellboy e Sin City, Dark Horse, também publica material para uma iniciativa de história em quadrinhos de caráter educacional chamada Comic Book Project (Projeto livro de história em quadrinhos), criado pelo professor Michael Bitz da Columbia University Teaching School, em 2001, para reforçar a alfabetização ensinando as crianças a desenvolver, criar e desenhar suas próprias histórias em quadrinhos.
"Existem no momento cerca de 900 programas (Comic Book Project) em todo o pais", informa Aaron Colter, coordenador de marketing da Dark Horse, e a participação das escolas nesse programa tem aumentado. Tivemos cerca de 115 escolas a adotá-lo só neste ano, e 30 nos três últimos meses.
No entanto, diz Gutierrez, a realidade é que os editores de história em quadrinhos "não têm competência ou dinheiro para investir em pesquisa ou guias de ensino. Eles estão esperando ver se o mercado justifica esse tipo de incursão, enquanto os educadores estão esperando por mais estudos de pesquisa comprovados por uma terceira parte."
Novo mercado: um desafio
O maior ponto de interrogação é se os editores tradicionais de história em quadrinhos, que só começaram a ter suas graphic novels introduzidas no mercado geral de livrarias nos últimos dez anos, podem formar capital nesta oportunidade.
Segundo Janna Morishima, diretora do Diamond Kids Group da Diamond Comic Distributors, "os editores de história em quadrinhos estão atrasados em relação aos editores tradicionais de livros. Eles ainda estão acostumados com o mercado de livros, e o mercado de livros educativos é ainda mais especializado. Eles estão em desvantagem".
Quanto às histórias em quadrinhos DC, origem do superman e do Batman, o meio mais eficiente para lidar com editores de livros educativos foi simplesmente mudar para um distribuidor com essa competência. DC mudou de distribuidor, da Hachette para a Random House em 2007.
"A forma de expandir nosso mercado foi um fator crucial quando mudamos a distribuição. Uma das coisas mais impressionantes no pacote da Random House foi o sistema de acesso que tinham para o mercado de escolas e bibliotecas," diz John Cunningham, vice-presidente de marketing da DC Comics ( Histórias em Quadrinhos DC. "Colocar nosso material no sistema da Random House foi mais sensato que tentar desenvolver um sistema nosso."
Quanto aos editores que não têm a opção de assinar contrato com um mega distribuidor, há outros caminhos. "Entrar em contato com professores que utilizam os seus títulos, e eles se tornarão seus guias de baixo ou nenhum custo nesse território incógnito," diz Gutierrez.
Como avaliar a Alfabetização Visual
Muitos professores que desejam utilizar histórias em quadrinhos nas salas de aula dos ciclos de ensino fundamental comentam que precisam de mais informações para avaliá-las como material de ensino, informações que vão de guias de ensino a avaliações mais complexas de medições, como o método Lexile – ferramentas não fornecidas pela maioria dos editores daquelas publicações.
Essa solicitação foi atendida pelo menos por um dos editores desse gênero. Toon Books, uma marca fundada por Françoise Mouly, editora de arte do New Yorker, publica títulos para crianças em nível de jardim de infância até o terceiro ano do ciclo fundamental, os quais foram desenvolvidos e testados com a pronta ajuda de professores e especialistas em leitura.
"O propósito da Toon Books era oferecer histórias em quadrinhos especificamente para crianças que estão começando a aprender a ler. Temos que admitir que se estamos fazendo publicações para crianças, é necessário selecionar um nível de idade e de vocabulário que tenha sido averiguado por grau de dificuldade," diz Mouly. "Trabalhei muito com educadores na área editorial, visitando diferentes escolas e observando crianças enquanto liam os nossos livros, para que não avaliássemos de forma errada".
A Toon Books também foi a primeira editora de graphic novels a analisar seus livros utilizando a escala Lexile, um sistema que se destina a medir a dificuldade de um texto e ajudar os professores a avaliar sua adequação para alunos em diferentes níveis de leitura. No entanto, o sistema Lexile se destina a avaliar apenas o texto, ignorando o componente visual de um meio em que imagens e palavras estão ligadas de forma indissociável.
Peter Coogan, diretor do Institute for Comic studies, diz que o componente visual é decisivo em um mundo cada vez mais dirigido para a imagem. "Somos atualmente uma cultura visual, não uma cultura tipográfica," diz Coogan. "As histórias em quadrinhos ensinam alfabetização visual."
Alfabetização não é simplesmente tornar a pessoa capaz de compreender a palavra escrita, explica Mouly, mas "ser capaz de extrair o significado de uma página impressa. Há um tipo de alfabetização visual que é inata. Há muita coisa que as crianças são capazes de entender e uma quantidade imensa de complexidade que pode ser usada. É como a poesia: enganosamente simples, com níveis e mais níveis de significados que podem surgir."
Os educadores interessados em histórias em quadrinhos mas preocupados com os padrões profissionais precisam apenas olhar para a Comic Book Initiative do estado de Maryland e conhecer um modelo de programa de história em quadrinhos que pode funcionar em salas de aula com base nos padrões. Cinco anos atrás, o Maryland State Department of Education e o grupo Diamond Comic Distributors lançaram um programa piloto em alguns distritos escolares para ensinar planos de aula com base em histórias em quadrinhos a partir de um conjunto de ferramentas desenvolvido pela Disney. As aulas foram incorporadas na parte voluntária do currículo estadual, e desenvolvidas com grande contribuição dos diretores e professores. "Foi tudo cuidadosamente examinado," diz Darla Strouse, diretora do Comic Book Initiative.
Uma avaliação mais profunda realizada pela University of Maryland examinou o impacto motivacional da utilização de histórias em quadrinhos em salas de aula, através da discussão em grupos de pais, alunos e professores. Strouse diz, "Houve um retorno bem positivo. Os alunos não mediram esforços. Começamos com graphic novels e eles estavam muito animados." No verão de 2008, o sucesso do programa levou a sua expansão, passando de oito escolas para 160, com resultados igualmente positivos. Strouse diz que Maryland “pode ter sido o salto inicial para os outros estados” lançarem projetos semelhantes.
Fora dos ciclos fundamental e médio, as graphic novels e as revistas em quadrinhos também fizeram seu caminho dentro das salas de aula das universidades, onde têm sido adotadas como textos de cursos em várias disciplinas. "Há um importante grupo de professores que está procurando ver isso como estudo, e reconhece o meio como legítimo não apenas para seus alunos mas também para seus departamentos," diz Coogan, acrescentando, contudo, que muitos editores desses gêneros condenam suas chances de adoção nos cursos pela relutância em enviar copias sem custos para os professores ou por se concentrarem nos procedimentos de adoção da universidade.
Coogan sugere que os editores dessa área que ignoram o potencial de vendas do mercado educacional em favor de sua base de fãs já estabelecida poderia encontrá-lo no interesse deles por uma olhada mais demorada. "As histórias em quadrinhos estão amadurecendo de muitas maneiras; não existem muitas histórias em quadrinhos que sejam lidas há oito anos. As crianças têm tantos meios de comunicação para experimentar agora que não há garantia de que elas serão expostas a histórias em quadrinhos. Se as histórias em quadrinhos não forem cuidadas como indústria, irão se tornar um item nostalgia de um nicho do mercado. Ensinar com histórias em quadrinhos definitivamente introduz novos leitores."
*Hudson é editora sênior da Comic Foundry e colaboradora da publicação PW Comics Week.
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