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Tradutora apela ao Ministério Público contra plágios e fraudes em traduções

20/04/2009

- Por L&PM Editores

A tradutora Denise Bottmann, titular do blog "Não gosto de plágio", realizou uma intensa pesquisa em centenas de textos clássicos à venda no mercado e constatou um número assustador de traduções publicadas com autoria apócrifa, falsificações grosseiras de textos traduzidos por intelectuais consagrados nacionalmente como Boris Scheneiderman, Godofredo Rangel, Lívio Xavier, Ligia Junqueira, Odorico Mendes, Mário Quintana, Galeão Coutinho, Boris Schnaiderman, Carlos Porto Carreiro, Hernâni Donato, Modesto Carone, Brenno Silveira, Jacó Guinsburg, Bento Prado Jr., entre muitos outros.

Estes textos circulam livremente nas livrarias brasileiras com nomes exóticos e fictícios causando um prejuízo cultural e material, omitindo autoria de seus verdadeiros autores e concorrendo de forma desleal com dezenas de editores brasileiros que conduzem seriamente seus negócios contratando e remunerando traduções e tradutores permanentemente. Tendo apoio de sua classe e de pessoas ligadas ao meio cultural e editorial brasileiro, Denise Bottmann encaminhou solicitação de providências ao Ministério Público em petição que publicamos abaixo, precedida de um comentário da autora:


www.naogostodeplagio.blogspot.com

"Tenho a mais profunda convicção de que a Editora Martin Claret é responsável pelo maior desserviço ao ensino e à leitura que o Brasil tem conhecido nos últimos dez a doze anos. A referida editora tem publicado de modo fraudulento centenas de obras clássicas, de referência praticamente obrigatória nos cursos de graduação e pós-graduação de letras, filosofia, ciências humanas e direito, e de interesse geral para o público leitor. Tais edições consistem em plágios e apropriações indébitas de traduções consagradas e algumas até em domínio público, anteriormente publicadas por outras editoras.

Acredito ser meu dever como cidadã alertar a sociedade contra tais práticas ilegais e solicitar a intervenção do Ministério Público Federal para pôr cobro a esses desvios. O preço que pagamos por nosso silêncio é a propagação da mentira, o cultivo da ignorância e a perda de nossa memória cultural."

                                                                                  Denise Botmann, março de 2009


Registro, 23 de março de 2009

Exmos. Srs. Procuradores da República

Gostaria de apresentar ao Ministério Público Federal o seguinte fato: constatei que duas traduções da autoria de Monteiro Lobato, a saber, O Livro da Jângal, de Rudyard Kipling, e O Lobo do Mar, de Jack London, foram reproduzidas pela Editora Martin Claret. Todavia, ao invés do nome de Monteiro Lobato, a referida editora atribuiu a autoria dessas traduções a “Alex Marins” e a “Pietro Nassetti”, respectivamente.

Consultando várias pessoas e a legislação dos direitos autorais, fui informada de que, como leitora, consumidora, cidadã, admiradora de Monteiro Lobato, não posso fazer nada. O IDEC orientou que se consultasse o Ministério Público Federal, pois não seria um problema de direitos do consumidor, e sim um fato referente a interesses coletivos difusos. A lei dos direitos autorais, por sua vez, determina que somente os titulares dos direitos autorais de Monteiro Lobato podem tomar alguma providência judicial contra esses roubos. Escrevi ao escritório que administra os interesses da família de Monteiro Lobato, expondo o caso de O Livro da Jângal.Afirmaram estar tomando as providências cabíveis, do ponto de vista dos direitos autorais.

Mas já se passaram seis meses, continuo a ver esses plágios vendidos nas livrarias, e de qualquer forma é como cidadã que me sinto ofendida com tamanho desplante da Editora Martin Claret.

Essa mesma editora costuma praticar inúmeros e inúmeros plágios – já contei mais de 200 títulos falsificados em sua coleção “A Obra-Prima de Cada Autor”. Foram plagiadas traduções de Eça de Queiroz, de Manuel Odorico Mendes, de Mário Quintana, de Godofredo Rangel e inúmeros outros. É um absurdo. Mas a maioria desses intelectuais atingidos pela Editora Martin Claret já morreu. Desconheço as medidas que seus sucessores e/ou as editoras lesadas podem estar tomando. De minha parte, de tanta indignação fiz mais de 60 cotejos, comparando os livros da Editora Martin Claret e livros que fui pesquisando, até descobrir de onde tinham saído os plágios. É algo trabalhoso, caro, demorado, mas acredito que deve ser feito. Não se pode fechar os olhos a essa destruição de nossa memória e história cultural.

Assim tem-se uma situação dolorosa, difícil para todos: para os intelectuais falecidos ou ainda vivos que se dedicaram a trazer obras estrangeiras para nosso idioma, para as editoras roubadas em seus catálogos por um concorrente desonesto, para os leitores que são enganados com nomes falsos nas obras, para o patrimônio cultural do país que vai perdendo suas referências históricas, para o acervo nacional de domínio público empobrecido por obras falsificadas que recriam para si novos prazos de vigência de direitos autorais, para os próprios livros que acabam perdendo sua credibilidade, para as escolas que adotam em seus cursos essas obras fraudadas, e assim por diante.

Essas fraudes são adquiridas em licitações públicas, integram o acervo de bibliotecas públicas e privadas, são indicadas como bibliografia em concursos públicos, para vestibulares, em programas de curso... Calculo uns 3 milhões de exemplares espúrios dessa editora espalhados pelo país, no mínimo. Pois consta que cada edição da Martin Claret é de 8 a 10 mil exemplares. A coleção “A Obra-Prima de Cada Autor” tem cerca de 400 obras – pelo que eu vi, em minhas modestas pesquisas isoladas, são mais de 200 obras plagiadas, e talvez beire a casa de 300 títulos adulterados. Todas ou a grande maioria delas tiveram e continuam a ter inúmeras edições sucessivas [outro problema é que a editora não coloca o número da edição ou reimpressão em seus livros.] Trata-se de uma quantidade alarmante. Livro é um bem durável, fica décadas e décadas na estante das casas, nas prateleiras das bibliotecas, perpetua-se nas teses, artigos, livros que usam aquela determinada obra em seus estudos e escritos.

Escrevi para várias livrarias, pedindo que parassem de vender esses plágios. Embora estabeleça a lei que elas também são solidárias responsáveis por exporem e venderem as fraudes, mesmo assim não se importam. Uma das principais livrarias do país chegou a declarar que só suspenderia a venda das obras fraudadas quando recebesse uma notificação judicial obrigando-a a tal...

Não consigo crer que leitores e cidadãos não possam fazer valer seus direitos de ler livros honestos e de prezar o patrimônio cultural do país. É por isso que recorro a Vossas Excelências, srs. Procuradores da República.

Quanto a essas duas traduções de Monteiro Lobato, O Livro da Jângal e O Lobo do Mar, que são autênticos monumentos nacionais, envio em anexo o xerox das traduções originais e das cópias plagiadas, os e-mails que troquei com a empresa que administra os direitos de Monteiro Lobato e as principais livrarias e redes que têm essas obras falsificadas à venda.

Espero vivamente, do fundo do coração, que seja possível fazer alguma coisa a esse respeito. É nossa identidade cultural, é nosso patrimônio, é nossa história. O que seria do Brasil sem as traduções, sem todo esse trabalho de ir abrindo o país ao mundo, de ir criando uma história própria que passa por esse intercâmbio das letras, pela educação da sociedade e pela preservação da memória?

Agradeço muito a atenção dos senhores,

Denise Guimarães Bottman
                                                                                 
RG 19.471.271

ANEXOS

I. Rudyard Kipling, O Livro da Jângal, tradução de Monteiro Lobato

II. Rudyard Kipling, O Livro da Jângal, “tradução” de Alex Marins

III. Jack London, O Lobo do Mar, tradução de Monteiro Lobato

IV. Jack London, O Lobo do Mar, “tradução” de Pietro Nassetti

V. Fichas de ISBN e Fichas Catalográficas na Fundação Biblioteca Nacional

VI. Correspondência por e-mail com o escritório que administra os direitos da obra de Monteiro Lobato

VII. Algumas redes e livrarias que comercializam a edição da Martin Claret

Num último anexo, tomo a liberdade de acrescentar três posts que publiquei num blogue pessoal, chamado “não gosto de plágio”, sobre essas apropriações das traduções de Monteiro Lobato.

VIII. Posts em http://naogostodeplagio.blogspot.com